segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Educação: Uma Visão Baseada em Vivência

Com 10 anos de atuação em docência, posso afirmar que o trabalho do professor se divide basicamente entre as atividades de ensinar e aquelas associadas à gestão da disciplina lecionada, como a elaboração de avaliações, controle da frequência, planos de ensino, dentre outras atividades. Importante se faz o esclarecimento de que tais atividades não se restringem a sala de aula, consumindo boa parte do "tempo livre" do professor (o que infelizmente não é contabilizado no exercício da profissão). É como eu sempre afirmo, quando alguém decide ser professor o será por 24 horas do dia, 7 dias na semana, ainda mais com os recursos de comunicação à distância disponíveis, em que o aluno pode demandar o professor, a fim de dirimir suas dúvidas, a qualquer momento. É como se apresenta no livro Roube como um Artista, de Austin Kleon, onde a sala de aula "é um lugar maravilhoso, apesar de artificial: Seu professor é pago para dar atenção às suas ideias, e seus colegas estão pagando para dar atenção às suas ideias. Você nunca terá outra vez na sua vida uma plateia tão fiel. Pouco depois, você aprende que a maior parte do mundo não liga necessariamente para o que você pensa. Soa brutal, mas é a verdade." Comocomplementa o escritor Steven Pressfield: "Não é que as pessoas sejam más ou cruéis, elas só estão ocupadas."

No desenrolar destas atividades, no início da carreira ou quando se assume uma nova disciplina, boa parte do tempo extraclasse do professor é dedicado à preparação dos conteúdos. Mas a medida em que uma disciplina é mantida sob responsabilidade de um mesmo professor, que vai além de um semestre, o tempo dispendido em preparação de conteúdos vai diminuindo progressivamente. Até hoje, muitos alunos se assustam com a minha capacidade de lecionar um conteúdo altamente sofisticado, como o de eletromagnetismo, sem material de apoio algum. Entretanto, sempre esclareço a estes alunos quantos anos faço isto, sem contar minha necessidade de se adaptar a minha própria realidade, no qual exerço outra atividade profissional, envolvendo viagens esporádicas, obrigando-me a ser hábil na condução das atividades docentes, de forma a estar sempre preparado para dar aula, independente das circunstâncias. No entanto, no que tange à gestão da disciplina, a carga de trabalho extraclasse se mantém estável, podendo aumentar nas situações em que aumenta a quantidade de alunos matriculados, ou em que se diversificam as atividades em sala, como aulas práticas, novas formas de avaliação, etc.

Penso que muito desta atividade extraclasse envolvida na gestão da disciplina poderia ser enxugada em prol de uma maior dedicação à melhoria do conteúdo ensinado. Vou me restringir ao caso da elaboração e correção de avaliações, bem como ao cadastro e à divulgação de resultados. Quando os instrumentos desta se limitam somente em provas, exames ou testes, pela natureza da disciplina lecionada, defendo que estas deveriam ter um caráter institucional, não devendo recair sob o professor a responsabilidade de elaborá-las, aplicá-las, corrigi-las e divulgá-las. Ou seja, a responsabilidade sobre esta avaliação seria da instituição, baseada no padrão de exigência esperada pela sociedade e manifestada na forma de exames de proficiência exigidos por entidades de classe, concursos públicos e provas aplicadas por instituições de ensino similares, dentre outras referências. Desta forma, este instrumento de avaliação teria caráter impessoal, eliminando a identidade de uma prova relacionada ao perfil do professor. Lembro-me que nos meus tempos de faculdade, quando havia opções de matrícula para cursar determinada disciplina, era grande a busca pelo perfil do professor ministrante, de forma a se desviar daqueles mais rigorosos. Tendo caráter institucional, isto acabaria. Além disso, serviria como um meio de avaliação dos professores, uma vez que haveria um critério imparcial da instituição, sem a influência do professor no processo. Assim, aos professores haveria não só a dispensa da responsabilidade de propor as avaliações, bem como estes se esmerariam em lecionar uma boa aula, preparando seus alunos para o exame e consequentemente serem também (bem) avaliados. Inclusive, tal abordagem poderia se amparar em um sistema informático, no qual a instituição poderia deter uma base de dados de questões a serem utilizadas como base para constituição das provas a serem aplicadas. Os professores poderiam contar com uma interface para a proposição de questões que enriqueceriam esta base. Algumas escolas, naturalmente do setor privado, já trabalham com este viés.

Em consonância com estas ideias (embora isto ainda não seja adotado onde trabalho, pelo menos por enquanto), resolvi desenvolver um pequeno sistema para ao menos agilizar o processo de elaboração de provas a serem aplicadas nas disciplinas que leciono. Tudo começou por volta de 2007, quando eu era professor de lógica de programação para cursos técnicos e tecnológicos do SENAI-SC unidade de São José. Embora nesta disciplina tínhamos como principal instrumento de avaliação o desenvolvimento de um projeto de programação, na linguagem adotada (que variou entre C, C++, Pascal, Python e até o Visual Basic for Applications usado pelo pacote Microsoft Office), era necessária a aplicação de algumas provas para atestação de princípios e técnicas algorítmicas que contemplavam a grade curricular. Como as aulas eram dadas em laboratório de informática, com praticamente um microcomputador por aluno, conectados em rede, enxerguei ali a oportunidade de desenvolver um sistema no qual os alunos usariam o próprio computador para responder a prova. Eles acessariam a prova de um servidor, após o devido login de usuário, o qual estaria na forma de um formulário eletrônico. Uma vez respondida, seria exibido ao aluno o seu desempenho, comparando-o com o gabarito oficial. Foi dada muita atenção aos aspectos de segurança do projeto. Por exemplo, a cada aluno era carregado um conjunto de questões escolhidas aleatoriamente, porém associadas ao mesmo conteúdo programático e com o mesmo nível de dificuldade, a fim de evitar o famoso "intercâmbio de informações" entre os alunos. Outro exemplo de requisito de segurança era a impossibilidade de o aluno forçar a recarga de uma nova prova, após a entrega da mesma. A escolha do framework de desenvolvimento aplicado ao projeto recaiu sobre a tríade Apache - PHP - MySQL, pois combinava bem as demandas por uma base cliente/servidor para o repositório das questões, alunos e outros dados necessários, com o paradigma de aplicação web, bastante em voga, com recursos avançados para a construção de formulários eletrônicos. Curiosamente, esta escolha permitiu a construção de um programa totalmente no modelo estruturado, uma vez que a orientação a objetos não era o forte da versão do PHP disponível na época do desenvolvimento (PHP 4). Além disso, o modelo de requisições e respostas da aplicação final não demandou o uso de algo mais complexo à época como AJAX. Recordo-me que cheguei a finalizar um protótipo funcional a tempo de ser usado na disciplina. Contudo, como não havia tempo para testá-lo suficientemente (embora o pouco que testei se mostrou robusto), temi em utilizá-lo, prevendo um potencial caos, decorrente de um possível bug não identificado ou travamento do servidor, devido a inúmeras requisições paralelas a este, o qual não consegui simular tal carga a tempo. Por fim, resolvi adotar o plano B e a prova foi aplicada no método tradicional (papel e lápis).

Nos semestres subsequentes acabei não dedicando tempo na continuidade do projeto, o que adiou sua utilização prática, até que no final de 2008 deixei o SENAI para lecionar em outra instituição (SATC) em tempo integral, deixando por conseguinte a disciplina de programação. Desta forma não fazia mais sentido envolver esforços e o projeto foi engavetado. Todavia, quando em 2010 retornei à atividade docente na Unisul, em paralelo com outro emprego, comecei a sentir a necessidade de automatizar certas tarefas, com a finalidade de melhor administrar meu exíguo tempo, dividido entre dois empregos. Foi então a deixa para eu resgatar este projeto. Óbvio que esta necessidade não foi sentida imediatamente, levei alguns anos até amadurecer a ideia de que precisava retomá-lo. E assim, ao longo de 2012, ele renasceu das cinzas...

Entretanto, algumas mudanças no conceito inicial precisaram ocorrer. Em primeiro lugar, o sistema teria utilidade para geração de uma prova baseada em um banco de questões, não mais necessitaria ser aplicada de forma online. Assim, certos requisitos desapareceram, como o login do aluno, prova como formulário eletrônico ou a geração aleatória de questões. Além disso, para os alunos, o processo continuaria o mesmo, eles continuariam fazendo uma prova tradicional. A diferença é que esta seria gerada automaticamente por um sistema, agora exclusivamente acessível ao professor. Por último, por não dispor mais de um servidor na versão 4 do PHP, somente na versão 5, tive que fazer toda a reengenharia do código para que o mesmo pudesse rodar na versão mais atual, o que foi bastante oneroso (pelo menos, ainda não fui obrigado a migrar para o paradigma orientado a objetos). Mas no final tudo acabou bem e já tenho um protótipo funcional deste novo sistema redesenhado, o qual será aplicado pela primeira vez em caráter de testes na disciplina de Ondas & Antenas que leciono para o sétimo semestre de engenharia elétrica da Unisul, no semestre 2014A.

Interface de Configuração da Prova (ainda sem o design final)


Enfim, espero que este possa me liberar da carga de ter que pensar a elaboração de provas de agora em diante, deixando-me com mais tempo livre para aperfeiçoar os conteúdos didáticos. Minha única obrigação será o enriquecimento da base de dados de questões com novas propostas, o que anseio me apoiar em farta literatura disponível nos assuntos que leciono.

Exemplo de Prova Gerada (Quase no layout final)


Bom, pelo menos enquanto um sistema de avaliações institucionalizado não é posto em prática...

Até um próximo post sobre o assunto!

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