quinta-feira, 29 de junho de 2017

Esqueça as Baterias: A Chave para um Carro Elétrico Melhor é um Motor mais Leve

 Mais uma vez o IEEE Spectrum nos brinda com um artigo publicado recentemente, acerca dos desafios por trás do desenvolvimento de carros elétricos melhores, o qual compartilho através do link abaixo:



Shut Up About the Batteries: The Key to a Better Electric Car Is a Lighter Motor



Os autores propõem uma mudança no foco para incremento dos veículos elétricos, das baterias para os motores elétricos que impulsionam os carros, abordagem que causou controvérsias desde a publicação, como pode ser atestado pela leitura da seção de comentários, logo abaixo ao término do texto.



 Polêmicas à parte, a abordagem proposta pelos autores é uma interessante descrição sobre as questões associadas à substituição dos automóveis impulsionados por motores de combustão interna pelos elétricos, bem como o funcionamento dos motores elétricos e sua aplicação em veículos automotivos. Por isso, este post sintetiza alguns pontos interessantes apresentados no texto.



Em primeiro lugar, um dado histórico curioso. Durante a primeira década do século XX, 38 % de todos os carros nos EUA eram elétricos, participação que praticamente declinou a zero a partir de 1920, onde os motores de combustão interna se tornaram dominantes. Contudo, os carros elétricos voltaram à tona com as necessidades dos novos tempos relacionadas à economia de energia e à redução da poluição. Porém, seu ainda alto custo combinado com uma autonomia limitada vem sendo entraves para sua adoção massiva e substituição dos modelos movidos a hidrocarbonetos.



Para o melhor entendimento nas questões que envolvem a melhoria dos motores elétricos aplicados a carros, uma noção básica sobre estes é dada: trata-se de um motor mais simples que um motor de combustão interna, formado por duas partes. Uma parte estatórica, que é fixa e envolve o rotor, que é necessário para rotacionar o eixo e criar torque. Para isto, o estator e o rotor interagem magneticamente para converter energia elétrica em mecânica.



É esta interação magnética que é responsável pelas diferenças existentes entre tipos de motores elétricos. Em motores CC com escovas a corrente flui através das escovas que deslizam sobre um comutador. Esta corrente energiza as bobinas no rotor, que por sua vez cria campo magnético que é repelido por ímãs ou bobinas alimentadas localizadas no estator. O comutador por sua vez periodicamente inverte o sentido da corrente, de tal forma que rotor e estator se repelem ciclicamente, gerando a rotação do eixo. Contudo, esta abordagem limita o torque e está sujeito a desgaste das escovas, tendo assim decaído seu uso em tracionamento. Uma ideia do funcionamento do motor CC pode ser visto no vídeo abaixo.



Carros elétricos modernos utilizam corrente alternada suprida por um inversor. Neste, a dinâmica do motor depende mais do campo magnético girante do estator do que do rotor. Esta característica alivia as restrições no desenho do rotor, que é o elemento mais complicado do motor, o que reduz os desafios de projeto em linhas gerais.


Temos dois tipos de motores CA: assíncronos e síncronos. Segundo os autores, o síncrono tem um desempenho melhor e mais eficiente, quando aplicados aos veículos elétricos.

Os motores síncronos também o são em duas variedades: o mais comum é a máquina síncrona de ímã permanente (PMSM), o qual emprega ímãs no rotor. Para fazer o rotor girar, um campo girante é formado a partir da alimentação das bobinas do estator em CA. Assim, os polos do ímã do rotor estão alinhados com o campo girante do estator, fazendo o eixo rotacionar. Esta variedade equipa automóveis como o Chevrolet Bolt e Volt, a BMW i3 e o Nissan Leaf, dentre outros, podendo alcançar eficiência de 97 %. Os ímãs são constituídos de terras raras, como os de Neodímio, desenvolvido em 1982 pela General Motors e Sumitomo.

As máquinas síncronas de polos salientes (SPSM) empregam bobinas no rotor no lugar de ímãs. Estas bobinas são alimentadas em corrente contínua através de anéis deslizantes, o qual, diferentemente de um comutador de uma máquina CC, não precisam inverter o sentido da corrente. Os polos do campo do rotor são portanto estáticos. Assim, a rotação do eixo se dá de forma idêntica ao PMSM. Entretanto, por causa desta necessidade de energização do rotor, a eficiência é um pouco mais baixa, ficando entre 94 e 96 %. Porém, tem a vantagem de ter o campo do rotor ajustável, o que permite desenvolver torque mais eficiente em altas velocidades, quando comparado com o PMSM. Assim, a performance em geral para a propulsão de carros pode ser maior. O único fabricante que usa este tipo de motor é a Renault, em seus modelos Zoe, Fluence e Kangoo. O vídeo abaixo sintetiza os conceitos acerca do funcionamento deste tipo de máquina.



Veículos elétricos devem ser concebidos utilizando componentes que sejam não só altamente eficientes, como também leves. A abordagem mais óbvia é melhorar a razão peso-potência reduzindo o tamanho do motor. Entretanto, tal máquina produzirá menos torque para uma certa velocidade de rotação. Assim, para obter a mesma potência, o motor necessitará girar a rotações mais elevadas, compensando a redução do torque (a famosa relação P = ω x T). Hoje estes motores em carros elétricos giram até 12.000 rpm. Motores até 20.000 rpm estão sendo preparados para a próxima geração. Máquinas alcançando 30.000 rpm estão sob investigação. O problema das altas velocidades é que elas requerem caixas de transmissão de mais alta complexidade, uma vez que são geradas rotações maiores que àquelas que são necessárias para girar os pneus. Tais caixas implicam em maiores perdas energéticas.

Uma segunda abordagem é a aumentar a força devido ao campo magnético do motor, o que incrementa o torque. Esta é a razão que leva a adoção de um núcleo ferromagnético às estruturas bobinadas do motor, o que, embora aumente o peso, eleva a indução por um fator de 2, o que justifica seu uso em todas as máquinas elétricas da atualidade. Contudo, esta elevação da indução tem um limite, dado pelo fenômeno da saturação, dado pelas características construtivas do aço empregado, mas que nos materiais mais efetivos em custos não passa de 1,5 Tesla. Somente aços muito caros e baseados em ligas como ferro-cobalto alcançam induções de 2 Tesla ou mais.

Finalmente, a terceira abordagem possível para se elevar o torque é fortalecer o campo pela introdução de mais corrente nas bobinas. Aqui, novamente, tem-se outros limitantes. Aplicar mais corrente incrementa as perdas devido a resistência ôhmica dos condutores (as perdas no cobre), reduzindo a eficiência e produzindo calor que pode danificar o motor. É possível então usar fios condutores melhores que o cobre para melhorar isto. A prata, por exemplo, estaria disponível para tal intento, mas é absurdamente cara para tal propósito. Desta forma, a maneira mais prática de contornar tal limitação é controlar o calor via refrigeração do motor. O Estado da arte é o envio de água refrigerante diretamente nos enrolamentos, mais que simplesmente passar o líquido refrigerante externamente ao estator da máquina (ver figura abaixo).

Arrefecimento avançado inclui a passagem de líquido refrigerante diretamente nas bobinas (esquerda) do que esta sendo feita externamente à carcaça do motor (direita)


Quando o custo não é problema, é possível carros elétricos tão leves quanto 0,15kg/kW, sendo páreos para os melhores carros de Fórmula 1 movidos com motores à combustão, como pode ser provado pelo exemplo de projeto apresentado pelo artigo. A questão relevante é como fazer isso para um carro em que as pessoas possam pagar.

Carro de corrida da Fórmula Estudantil de Carros Elétricos, onde foi possível aplicar técnicas especiais de refrigeração ao motor


A proposta dos autores se baseia no fato pelo qual os motores elétricos aplicados a veículos devem operar melhor no modo motor do que no modo gerador, a despeito destes motores funcionarem da mesma forma nos dois modos. A máquina elétrica em um carro só deve funcionar como gerador durante uma frenagem regenerativa, o qual pode ser usado para recarga das baterias.

Em essência, em um motor síncrono temos duas forças atuando para a criação do movimento: a primeira, devido a força de Lorentz, está associado à atração entre o campo girante do estator (pela circulação de correntes nos enrolamentos desta parte) e o campo fixo do rotor. A outra, decorrente da saliência dos polos do rotor, é uma força de relutância, associada à atração do bloco de aço pelo campo. Ambas forças são próximas de zero quando os campos do rotor e estator estão perfeitamente alinhados. A medida que o ângulo entre os campos aumenta, a máquina desenvolve potência mecânica. E em uma máquina síncrona, sem o escorregamento entre os campos (como num motor assíncrono), o campo de estator possui um ângulo particular com respeito ao rotor, podendo ser variado livremente durante a operação para se obter uma eficiência mais alta. Este ângulo ótimo para produção do torque pode ser determinado previamente para uma dada corrente e então esta é devidamente ajustada para alimentar as bobinas do estator, o que é feito pela parte de eletrônica de potência responsável pelo controle e acionamento do motor.

Entretanto, há um problema: a medida que o campo do estator se move com respeito à posição do rotor, as forças de Lorentz e de relutância não estão alinhadas de forma a se obter o máximo da combinação destas duas forças, devido as distribuições desiguais destas ao longo de uma referência angular, como pode ser visto abaixo.

No topo, as forças de Lorentz e de Relutância em cinza são deslocadas a fim de se obter o pico da força máxima conforme curva azul. Abaixo, a distribuição destas forças e a força total em azul em um motor convencional.

Como pode ser atestado, a força de Lorentz se distribui como uma função sinusoidal que atinge seu pico em um ponto a 90 graus do ponto de origem da referência. Já a força de relutância alcança seu pico a 45 graus e a uma frequência que é o dobro da de Lorentz. Como os picos ocorrem em diferentes pontos, o pico total é menor que a soma dos picos das partes. Assim, se o motor puder ser redesenhado para que as duas forças encontrem seus picos no mesmo ponto, haverá um incremento na potência do motor, sem adição de custos. Esta é a proposição do artigo, no qual os autores combinam PMSM com SPSM resultando em uma máquina síncrona híbrida.

Protótipo do motor construído pelos autores
Vista em corte do motor proposto e suas partes


Maiores detalhes construtivos podem ser obtidos na leitura deste. A única contrapartida desta abordagem, no entanto, é uma perda na eficiência da máquina quando opera como gerador, no qual os autores descrevem uma maneira de contornar tal situação. Quando numa situação em que irá atuar como gerador, inverte-se o campo do rotor pela mudança no sentido da corrente que alimenta os enrolamentos desta parte. Medições no protótipo indicaram que esta mudança leva menos que 70 ms, o qual é adequado para uso em carros.

Com a adoção deste motor, um carro que viajaria 100 km com uma carga, irá até 104,4 km, segundo medidas feita com um protótipo construído.

Sumarizando algumas das ideias aqui apresentadas, compartilhamos abaixo um vídeo que descreve o funcionamento de um carro elétrico, usando o modelo Tesla S, que emprega motores CA assíncronos, utilizando assim um tipo diferente do que fora explorado neste post:


Por tudo isto, considero que esta proposição, apesar de interessante sobre o ponto de vista do design de motores e de oferecer algum ganho de desempenho, ainda não dispensa os avanços a serem feitos nas baterias (ou qualquer outra forma de suprimento que se mostre vantajosa) como o ponto crucial para a mudar o paradigma dos carros movidos a motores de combustão interna.

E você, o que acha? Deixe seu comentário a respeito.

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